Cultura Oriental: a popularização no Brasil e seus impactos no povo asiático-brasileiro

Foto original por Khoman Room.

Durante séculos, o Ocidente enxergava os asiáticos através de diversos estereótipos e preconceitos. Ainda que as visões distorcidas em torno destes povos não tenham sido totalmente quebradas, nos últimos anos a cultura pop oriental tomou muita força na América do Sul, trazendo novos significados e representatividade. Mas afinal, qual a força deste fenômeno cultural no Ocidente e como isso se alinha às vivências dos descendentes asiáticos no Brasil?

A nova "Onda Asiática" e sua popularização no Brasil

BTS durante performance ao vivo. - Créditos: Getty

Mangás e animes já haviam chegado por aqui muito antes, fazendo sucesso e expandindo as fronteiras da cultura pop nas terras tupiniquins. Exemplos notáveis incluem “Os Cavaleiros do Zodíaco”, “Pokémon”, “Naruto”, “Sailor Moon”, “Dragon Ball”, “Shingeki no Kyojin” e “One Piece”, isso só para citar alguns. Porém, esse sucesso acabou se tornando e fazendo parte de nichos (nerds, otakus e afins). Agora, com o avanço do K-Pop (música coreana), J-Pop e C-Pop (música japonesa e chinesa respectivamente) e ainda doramas, K-dramas e filmes asiáticos, o leque de possibilidades se expandiu, conquistando o seu lugar de destaque na cultura popular globalizada.

Tomando espaço não somente dentro dos fones e telas, a influência da Ásia conquista legiões de fãs no Brasil. Em suas passagens pelo país em 2017 e 2019, o grupo sul-coreano BTS levou mais de 120 mil pessoas a seus shows em São Paulo. O pop coreano é um fenômeno gigantesco que forma fanbases presentes, alucinadas e consumidoras. Fãs que consomem esse conteúdo freneticamente e se apaixonam não somente pela cultura em si, mas pelo povo asiático, a ponto de se tornar uma obsessão que tem levado a casos extremos. Alguns fãs abordam e assediam pessoas desconhecidas em locais públicos, pelo simples fato destas carregarem traços orientais, como os olhos puxados.

Então, como isso tudo impacta pessoas asiáticas - ou de ascendência asiática - que vivem no Brasil? Já tendo que passar por situações de constrangimento e preconceito, agora enfrentam um enorme holofote que nem sempre traz coisas positivas.

Hugo Katsuo

Hugo Katsuo, 20, é graduando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e morador de Niterói, além de militante do movimento asiático-brasileiro. Ele afirma que existe muita objetificação, principalmente em torno da mulher amarela (asiática), que é carregada de todos aqueles estereótipos que estamos cansados de ouvir (um souvenir exótico, submissa e infantilizada). “Com a explosão do K-Pop no Ocidente, essa objetificação começou a acontecer com o corpo do homem amarelo também. Eu senti muito essa mudança. Antigamente, eu era visto como feio, indesejável, por eu ser amarelo. [...] De uma hora para a outra, comecei a ouvir que algumas pessoas queriam ficar comigo justamente pela minha ascendência leste-asiática.”

Por outro lado, Hugo também acredita que o crescimento da cultura pop oriental tem um potencial muito forte de humanizar os corpos asiáticos e mostrar que eles podem ser o que quiserem ser. Entretanto, ele exemplifica que o K-Pop está inserido em uma indústria que, segundo ele, padroniza rostos amarelos, os transformando em padrões de beleza brancos. “Acho que, por mais que exista esse potencial de humanização, eles acabam por criar novos estereótipos. Mas tem muito a ver também com o olhar orientalista com o qual o público ocidental consome essas culturas.”

Descendência asiática e o não pertencimento

Bianca Otaguro

Bianca Otaguro, 21, é descendente de japoneses. A moradora de Indaiatuba, São Paulo, é apaixonada por webcomics, animes e mangás, produzindo conteúdos autorais relacionados. Além de suas experiências pessoais com este pedaço da cultura japonesa, Bianca contou um pouco dos constrangimentos que sofreu, em decorrência dos estereótipos que andam atrelados a sua origem. “As pessoas têm essa ideia absurda que asiático é exótico. Ser mulher no Brasil já é complicado, mas ser considerada “exótica” é muito bizarro!”.

A jovem relatou as diversas vezes onde era vista como aluna dedicada, quieta, correta e boa com tecnologia simplesmente “porque ela é asiática”, como diziam as pessoas. Porém foi na escola que ocorreram as situações mais constrangedoras para Bianca. “Me lembro dos meninos me parando na escola para dizerem que achavam as japonesas lindas por terem olhos puxados”, afirma. A fascinação irreal com mulheres asiáticas assombrou a jovem durante os períodos escolares, fazendo com que se sentisse surpresa e envergonhada. “Certa vez um garoto - que eu nunca tive contato antes - me parou subitamente e disse com todo o entusiasmo: ‘Puxa vida uma japonesa! Nunca vi uma na vida, nossa como você é bonita!’ e eu não soube o que responder, nunca vi ninguém falando assim de qualquer outra etnia. Foi muito desconfortável!”, descreveu.

Estas experiências fizeram com que Bianca tivesse vergonha do próprio sobrenome durante um tempo. Afinal, a jovem não se sentia nem como brasileira e tampouco como japonesa, já que no Japão os nipo-descendentes são tratados como “Gaijin” (外人), que significa “estrangeiro” ou “não-japonês”. “Sou descendente de japoneses, porém sou brasileira, nasci aqui. Não ser tratada como brasileira no Brasil é muito complicado para nós, pois crescemos com a sensação de que pertencemos a lugar nenhum”.

Pôster de recrutamento promovendo a
emigração japonesa para a América do Sul,
ca. 1925. (Coleção do National
Diet Library of Japan)
Para Katsuo, sua vivência não foi tão diferente. O estudante também é pesquisador em relações étnico-raciais, produzindo documentários e realizando palestras sobre o tema. Relembrando experiências passadas, o jovem relata que “já me mandaram voltar pro meu país porque eu supostamente era um 'comedor de cachorro filho da puta (sic)', como disseram”.

De acordo com seus estudos acadêmicos dentro do assunto, Hugo ressalta a falta de reconhecimento enfrentada no Brasil por quem tem ascendência leste-asiática. “No contexto brasileiro, as relações raciais são muito complexas por conta do mito das três raças (indígenas, negros e brancos), que exclui o fenótipo amarelo de uma brasilidade autêntica”.

O estudante relata que os amarelos (asiáticos) são vistos como “minoria modelo”, termo criado para enquadrar estes povos enquanto minoria não-branca, descritos racialmente como trabalhadores dedicados, inteligentes e natos em tecnologia. “Basicamente somo vistos como inferiores a brancos, porém superiores a negros. Mas brancos e negros pertencem à identidade nacional, enquanto asiáticos são vistos como eternos estrangeiros. É complicado demais identitariamente porque não somos vistos como brasileiros no Brasil e nem como japoneses no Japão”, explica.

Fãs no combate ao racismo

Grupo sul-coreano BLACKPINK no Coachella - Foto por Miranda McDonald

Porém nem tudo está perdido. É possível ser fã e admirar a cultura de maneira respeitosa e saudável. O exagero e o extremismo são maléficos para sociedade em qualquer situação, e na questão cultural não poderia ser diferente. Logo, é importante lembrar que os fãs tem um papel crucial em combater os estereótipos de raça que ainda cercam os asiáticos e seus descendentes, entendendo a humanidade de seus ídolos e destas pessoas. Admiração pode e deve existir, faz bem para todos, mas além de tudo ela tem que ser moderada, considerando o espaço, história e individualidade do outro.

Segundo Bianca, tratar nipo-brasileiros e asiáticos com igualdade começa a partir do momento em que se descarta a visão exoticista de seus corpos. Para a jovem, o segredo está no amadurecimento do assunto dentro da comunidade brasileira, principalmente entre os fãs, afinal, nem todo brasileiro gosta de futebol assim como nem todo asiático é o rosto de sua cultura. Além disto, deve-se olhar para nipo-brasileiros como verdadeiros brasileiros pertecentes a esta terra multicultural.

Hugo, enquanto isso, vê que os fãs podem ajudar a normalizar os povos amarelos e combater os estereótipos de raça. De acordo com ele, os fã clubes devem participar mais de debates raciais, além de consumir e ler o que os asiáticos produzem enquanto militância; reafirmação. Mas sobretudo, os fãs devem manter uma postura antirracista diária e em todos os espaços, a fim de normalizar e combater a objetificação de corpos asiáticos.

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